FALTA DE REGISTO E TITULARIZAÇÃO  DOS TERRENOS AGRÍCOLAS

Um dos principais problemas da agricultura é a falta de registo e titularização dos terrenos agrícolas, o que impede o aparecimento de novos operadores em número suficiente, e a insuficiente protecção do Estado relativamente aos direitos que ele próprio concede. Todos os dias os agricultores se vêem forçados a discutir problemas de terras e a tratar de ocupações dos seus terrenos; todos os dias vemos terrenos serem usurpados às comunidades, cercados e deixados ao abandono.

Por Heitor Carvalho (*)

É necessário que o Estado dê prioridade à definição clara dos direitos sobre a terra e conceda títulos às comunidades e aos agricultores, mediando e decidindo definitivamente sobre os conflitos de terras, incluindo as que continuam em posse do Estado. As comunidades têm de ver os seus direitos reconhecidos e protegidos; mas a terra para a agricultura deve estar livre para se tornar produtiva.

Um problema grave para o desenvolvimento agrícola é a Lei de terras que promove a cedência, a subordinação do uso da terra aos interesses do Estado e impede o comércio de títulos de uso. O resultado é, naturalmente, que os projectos agrícolas, se precisam de 100 ha, pedem 500 (pois é cedido) e depois usam 50, deixando 450 ha ao abandono! Antes de mais, os projectos agrícolas não têm de beneficiar de terras cedidas porque apenas representam o interesse dos produtores, nacionais ou estrangeiros, que não se sobrepõe ao direito de qualquer cidadão nacional sobre a terra. Por imperativo de soberania popular, os direitos dos cidadãos não podem ser cedidos gratuitamente a empreendimentos comerciais: os direitos de terras devem ser vendidos a preço de mercado!

Além do mais, só isso garante uma adequada distribuição dos recursos. Um agricultor que pense em usar 100 ha irá comprar 100 e não 500! Contudo, se, na verdade, só conseguir usar 50, deve poder vender os 50 que comprou a mais num mercado de terras. Com isso, garante-se que apenas se compra e se mantém aquilo de que se precisa, que ninguém deixa de produzir por falta de terras e que aparecem novos operadores para complementar os poucos que hoje existem. Para forçar uma distribuição mais racional, pressionando a venda de terrenos não aproveitados, somos favoráveis a um imposto predial elevado, ou qualquer outra taxa ou imposto para as terras não utilizadas, respeitando, evidentemente, os coeficientes de utilização adequados.

Outro problema grave para a agricultura é a segurança, com frequentes roubos de colheitas e, sobretudo, de gado, sem grandes consequências para os criminosos quando são apanhados. As queimadas, muitas vezes por motivos supérfluos como a caça a roedores, são uma praga para a produção agrícola moderna, que vê colheitas avaliadas em milhares de USD perdidas numa “brincadeira” de muito mau gosto, criando prejuízos avultados e até situações de insolvabilidade e destruindo produtos agrícolas essenciais. Para agravar a situação, as autoridades policiais e judiciais são inadmissivelmente tolerantes a estas práticas, que prosseguem na mais completa impunidade!

Com a alteração cambial, a natureza dos problemas dos preços alterou-se no 2.º Trimestre de 2023. Actualmente o Kwanza parece-nos subvalorizado o que acarreta dois perigos: 1) o do preço do que não é produzido internamente ficar excessivamente caro; 2) o dos preços internos tenderem a tornar-se também mais caros, acompanhando os preços das importações.

Agora que os produtos externos estão mais caros do que a produção nacional, o que deveria ser suficiente para aumentar a competitividade da produção interna, parece que se quer voltar a aplicar a velha receita de proibir as importações, tal como aconteceu entre fins de 2019 e de 2021 e que, como sabemos, foi causadora de elevada inflação.

Por mais bem acolhida socialmente que seja, na verdade, esta prática é, pelo contrário, extremamente penalizante para a produção nacional e para os consumidores, que são a totalidade da sociedade:
a) porque os produtores nacionais existentes não têm incentivos para se tornarem mais competitivos, ou seja, mais baratos;
b) porque limita o aparecimento de mais negócios, dado que nenhum empresário sério pode aceitar colocar o seu dinheiro num ambiente empresarial em que o Estado possa condicionar a liberdade de escolha dos seus fornecedores;
c) porque fomenta a resistência à entrada de novos operadores por parte dos que têm “poder”;
d) porque cria condições que potenciam a corrupção através do relacionamento directo entre o agente do Estado e o importador;
e) porque penaliza todos os consumidores, que têm de pagar preços monopolistas, uma vez que não existe concorrência interna suficiente e se impede a concorrência externa; e) porque, reduzindo a nossa competitividade internacional, aumenta a desvalorização do Kwanza, o que afecta toda a economia;
f) porque ninguém se torna competitivo sendo proibido de competir! Seria o mesmo que querer que os nossos clubes de futebol ganhassem competitividade em África proibindo-os de ir às competições africanas. É o mais completo absurdo!

O Estado deve subsidiar os preços dos insumos e instrumentos agrícolas de forma a eliminar os efeitos dos nossos custos de contexto e permitir que a agricultura interna possa competir com as mesmas armas com a produção externa e baixar os preços.

O Estado deve assegurar preços ao agricultor que garantam o seu rendimento e o interessem em produzir mais. Este preço pode resultar num subsídio ou apenas numa referência se os preços de mercado forem mais elevados. Esse subsídio à produção efectiva foi testado em vários países e tem sido essencial para o desenvolvimento agrícola. O preço garantido deve ser o que resultar das condições de produção dos nossos melhores produtores, sendo essencial que se assegure que as importações entrem no nosso mercado a um preço ligeiramente superior a esse, através de uma taxa de câmbio estável e de taxas aduaneiras.

É este o método adequado para a protecção de toda a produção interna, seja ela de produtos básicos ou não, agrícola ou industrial.

O preço das importações é determinado pelo preço CIF (Custo, Seguro e Frete em inglês) em USD, pela taxa de câmbio e pelos impostos e outros custos aduaneiros. Não adianta definir taxas protectoras da produção interna se, de seguida, a taxa de câmbio baixa (tornando os produtos internos mais caros) ou sobe (tornando as importações tão caras que não cumprem o seu papel de aumentar a competitividade da produção interna). Portanto, TUDO depende de uma taxa de câmbio estável, que proteja a produção interna em geral, correspondendo à competitividade média dos nossos produtos mais importantes face aos mesmos produtos importados; e de taxas aduaneiras que protejam as especificidades das diversas produções. Enquanto isso não for concertado ao nível das estruturas do Estado (BNA e Governo), o apoio à agricultura será sempre confuso e em ziguezagueante, como tem sido até hoje!

O conhecimento é um factor essencial de produtividade. Escolas agrícolas, centros de pesquisa e de experimentação são importantes, mas sem a sua disseminação de pouco valem. É necessário que se autorizem e apoiem os centros privados e que se chamem as empresas agrícolas para trabalharem na disseminação do conhecimento. A colaboração com as instituições de ensino e pesquisa permite às empresas receberem conhecimento, aplicando-o e transmitindo-o, em troca, para as comunidades de camponeses. Paralelamente, a dinamização da extensão rural do Estado deve fazer chegar o conhecimento a todas as demais zonas do território nacional. Alguns projectos desta natureza estão em discussão, e alguns em fase inicial de execução, mas este continua a ser um problema fundamental para o desenvolvimento agrícola.

(*) https://www.cinvestec.com

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